Fim de viagem

A casa onde Sofia morava era grande, muito grande. Lá havia brinquedos, um pouco velhos, mas que a ajudavam a passar as horas, os dias, as semanas, os meses. O quarto onde dormia era muito amplo, a cozinha enorme, com uma grande mesa. Havia também muitas outras crianças com quem brincar, a maioria delas bem pequenas, muitas ainda usando fraldas.

O dia de Sofia começava cedo: às seis e meia o sino tocava, estridente, e todas as crianças tinham rapidinho que levantar, escovar os dentes e ir tomar seu café com pão e manteiga no refeitório. As maiores ajudavam as menores, sempre sob os olhares atentos das freirinhas, muito sérias e apressadas.

Sofia tinha 9 anos e odiava fazer aniversário, pois cada ano que passava era uma chance a menos de realizar seu sonho.

Mas naquela manhã a rotina se quebrou: o sino ainda não havia tocado quando a menina acordou com Irmã Helena puxando-a pelo braço. Ela deveria trocar-se e ir para o refeitório imediatamente. Acostumada a obedecer sem questionar, Sofia em um instante já estava quietinha no velho e puído sofá que ficava de frente para a porta de entrada do orfanato.

A freira superiora chegou com uma sacolinha de plástico nas mãos e, entregando-a a Sofia, disse:

– São suas coisas. Encontramos um lar para você.

O coração de Sofia disparou, a boca secou, as mãos gelaram.

– Mas, olha, não é bem uma família. É uma senhora, jovem ainda, mas viúva, que não teve filhos. Ela custou muito pra conseguir a adoção, queria um mais jovem, mas não conseguiu. Ficou sabendo da sua história. Viu sua foto. Veio aqui e te viu de longe.

O bolo na garganta. Tantas perguntas… Mas a cara fechada da freira não a estimulava a falar.

– Vocês vão ficar uma semana juntas, pra ver se dá certo. Vê se não estraga tudo.

O abraço foi áspero, sem jeito, acompanhado de um “Vá com Deus” sussurrado.

Pela janela da van caindo aos pedaços, Sofia ia olhando os postes, as casas modestas, as luzes começando a se apagar, as poucas pessoas andando ligeiras, de cabeças baixas… A cabeça da menina também se abaixou. Meu Deus, não era assim que eu tinha sonhado! Quem seria essa mulher? Só me quis porque não tinha outra? Um bebê, talvez, era o que ela queria?

Com muito custo, não chorou. Resolveu causar uma boa impressão, mesmo que a esperança de que fosse dar certo teimasse em ficar cada vez mais longe.

E quando a viagem parecia que não ia mais terminar, a van parou em frente a uma casa branca, pequena, com um jardinzinho de rosas de um lado e uma casinha de cachorro do outro lado da porta. Um portão meio torto, um cadeado velho. Então, era assim… Poderia, sim, ser essa a casa: pequena, modesta, de portão torto. O que interessava era a dona da casa.

E aí ela abriu a porta. Um sorriso tão grande que fechava os olhos, fazendo ruguinhas em volta. Os cabelos compridos, anelados, o vestido florido. Gordinha. E branca, muito branca.

Os braços abertos foram ao encontro de Sofia, que se encolheu, desacostumada de carinhos. Mas aqueles braços macios e branquinhos envolveram o corpo moreno e magro da menina. E quando se afastaram um pouco, a face de uma encontrou seu sonho na outra.

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