Oiê…

Você viu aquela boba da Ju? Achou que eu não estava sacando o que ela queria. Coitadinha! Queria o número da Fê, mas é claaaro que tava de olho era no irmãozinho, aquele gato do Rô. E eu fingi que não tava sabendo de nada e dei o número. Mas é claro que dei o número errado…. até parece que vou ficar ajudando aquela sonsa a arranjar namorado. E a Lelê? Simplesmente se convidou para meu niver, crente que é minha amiga. Mas é claro que eu vou convidar, e ainda vou falar que é festa à fantasia. Meu Deus, vai todo mundo morrer de rir quando aquela lerda aparecer toda fantasiada. E é claro que ela vai entender quando eu pedir mil desculpas por ter esquecido de avisar que a festa não era mais à fantasia. Não vai querer perder a amizade, tadinha! Mas o melhor mesmo foi a besta da Dani… Assim meio sem querer, sabe?, contei pro Duda que, depois que eles já estavam namorando, ela beijou o Beto. Mas é claro que não expliquei que foi um beijo roubado e que ela ficou com ódio do Beto! Mas… ahnnn… tinha uma coisa que eu queria lhe perguntar… o que é mesmo? Ah, lembrei! E aí, você se encontrou mesmo com o Lipe? Como é que foi? Quero saber tudinho… Hein? Como é que é? Não vai me contar porque eu sou fofoqueira? Fofoqueira? Euuuuuuuuu? Que absurdo! Nunca mais fale comigo, ok?

Droga…

Bato a minha mão fechada em outra mão fechada de um, dois, três colegas. Atravesso a rua sem olhar pros lados e sigo andando, fones no ouvido, mochila de chumbo nas costas. Viro à direita, à esquerda e já estou na minha rua.

Entro na casa vazia, abro a geladeira e bebo litros de água, pego uma fruta e vou direto pro quarto. Com pai e mãe no trabalho, experimento uma certa sensação de liberdade… até pra não almoçar, pra deitar na cama de tênis e tudo, pra ouvir Three days grace estourando meus tímpanos…

Abro os olhos e vejo no teto do quarto um inseto, uma pequena mosca que se move lentamente no branco, um ponto preto no teto branco. O que é um pontinho preto na neve? Uma mosca lerda andando no teto do meu quarto. Rsrsrs. Coisa mais ridícula, por que essa idiota não voa? Ela sabe voar, ela pode voar, a janela está aberta, mas ela insiste em andar a esmo no teto branco.

O celular vibrando no bolso me distrai daquela mosca-lesma: Não se esqueça da sua consulta às quatro!

Ah, meu Deus, que droga! Já estava me esquecendo mesmo, consulta às quatro com psicólogo, teste vocacional.

Já estou de saco cheio da ladainha. Não, pai, não sei qual faculdade quero fazer. Não, mãe, não há nenhuma disciplina que eu goste muuuiiito. Não, não quero ser professor como você, mãe, nem engenheiro como você, pai. Do que eu gosto? De música, posso ser músico? De cinema, posso ser cineasta? De futebol, posso ser jogador? Arrá… nada do que eu gosto serve pra vocês!!!

Acabei cedendo e aceitando fazer o tal teste. No fundo, eu estou meio incomodado mesmo com esse negócio de ter que escolher uma profissão. Tenho 17 anos, terminei o ensino médio e não sei que faculdade fazer. Se pudesse, não faria nenhuma, mas nem sonho em falar isso pra eles. Eles morreriam de desgosto.

A mosca no teto. Mas essa tonta não percebe a janela aberta? Será que vou ter que pegar pela mão e ajudar a encontrar a saída?

A maioria dos meus colegas já sabe que curso que fazer. Ou pelo menos pensa que sabe. Rodrigo quer fazer psicologia, acha que só com o povo doido lá da minha família vou ficar rico! E quando eu disse que psicólogo não pode cuidar de membros da família, ele ficou me olhando com cara de bobo. Breno quer fazer Direito, quer ser um adevogado de causas milionárias! Gente do céu, um sujeito que fala adevogado vai, sim, ser um brilhante profissional…

Mas tem a Dani, que quer fazer Medicina. Ela é fera em tudo, só tira notão, estuda pra caramba e diz que tem esse sonho desde pequenininha. Vai conseguir, claro. E tem o Fabinho, que quer estudar Geologia e depois se especializar em espeleologia, sabe de tudo sobre o assunto, conhece um monte de grutas. O cara já escolheu até a especialização que vai fazer depois do curso de graduação!

Minha amiga mosca parece que acordou, está indo com passadinhas rápidas para o rumo da janela, recua, olha pra lá e pra cá… vai, porcaria, voa! Você não sabe que tem asas? VAAAIIII, DROGA!!!

Aí, menina! Até parece que me obedeceu, a bobinha. Vai chegando vai chegando vai… AÍÍÍÍ…

Puxa vida! Essa mosca lerda me distraiu, agora tenho que me apressar… Pego uns biscoitinhos no pote, um iogurte e vou comendo enquanto me olho no espelho, ainda bem que aquela espinha monstro sumiu. Pego o endereço afixado na geladeira, saio, tranco a porta e vou tentar descobrir o que quero…

Uma sonha. A outra pondera. A terceira maquina.
A que sonha fala e, falando, se expõe, transparente, ao mundo.
A que pondera ora fala ora se cala, e por muitas vezes, chora.
A que maquina só fala por meio de filtros, e ela nem sabe o quanto isso é revelador.
Três meninas.
Uma parece brejeira e natural, mas sua intensidade pode ser fatal.
A outra transpira meiguice e bondade, mas sua persistência e sua fibra de repente assustam os mais desavisados.
A terceira é arrogante e misteriosa, mas tanta autoconfiança dá pra desconfiar…
A primeira olha pro espelho e procura seu reflexo perdido.
A segunda olha pro espelho e acredita que o que vê é o seu reflexo.
A terceira considera que não precisa olhar pro espelho.
Três meninas. Nascidas na mesma época, são muito mais parecidas do que pensam ser. Têm inteligência o suficiente para sentir medo da vida. São corajosas o suficiente para enfrentá-la, cada uma como quer e como pode.
Que Deus as ajude!

Escalar uma montanha de pedras
Escalavrar pés e mãos
Encontrar aqui e ali musgos, lagartos, cacos (de vidro de pessoas de coisas?)

Perder o ar
Escorregar

Retomar o já feito
Pisar em pontas finas
em pontos falsos
em pontes móveis

Encontrar aqui e ali uma sombra, um refúgio, a trégua do gozo
Pular de uma parte a outra de um buraco negro
Não olhar para baixo

Olhar para baixo
E desfalecer
desanimar
destemperar

Parar
Res pirar
Subir Subir Subir
Escalavrar pés e mãos
Despistar medos
Descobrir forças
Esquecer os olhos da plateia

Chegar
Descansar
Contemplar
Sorrir
Suspirar

E empreender a volta definitiva

 

 

O problema é que a noite é muito longa

 

Fosse mais curta

As recordações não acabariam em culpa e remorso

E não haveria rugas cada vez mais fundas

 

Fosse mais curta

O medo se perderia dos sonhos

E não haveria tão menos neurônios

 

Fosse mais curta

A confabulação dos mortos em meus ouvidos

Aos poucos

Docemente

Se acalmaria

Amém

 

Política é isto.
O sujeito, já aposentado, mas ainda relativamente jovem, apesar do que aparentava a careca e a barriga, arranjou uns bicos como representante comercial e passou a visitar prefeituras de cidadezinhas do interior mineiro.
Daí que, chegando a uma delas, pequenina e praticamente desconhecida, acabou por fazer, além de negócios, amizade com o prefeito, que o convidou a voltar outras vezes para “tomar uma cachacinha”.
Ele voltou muitas outras vezes até que, vislumbrando arranjos para o futuro, convenceu a patroa a se mudarem para lá em definitivo.
Assim fez. Instalado em uma bela casa, pagando um aluguel barato, o figurinha foi se enturmando com as personalidades locais, sempre com o aval do prefeito. Passou a frequentar certos bares (ou melhor, os bares certos), a participar de festas no clube da cidade e dos eventos culturais, a assistir às missas aos domingos, sempre na cola do prefeito.
Até que chegaram as eleições municipais. O prefeito candidatou-se à reeleição e seu novo amigo, a vereador. Cumpriu a via crucis de praxe: visitou as casas, tomou os cafés, carregou as criancinhas. Sempre na cola do prefeito.
A cidadezinha, no entanto, revelou-se um tanto quanto rebelde, pois reelegeu o pirata, mas deu apenas 25 votos para o seu papagaio.
Vinte-e-cinco, como passou a ser chamado pela oposição, não se abalou e está se preparando para as próximas eleições municipais. Neste ano, já ajudou a montar a aparelhagem de som para as festas de carnaval, ocasião em que também desfilou em vários blocos; além disso, dançou a quadrilha com os participantes do Movimento da 3ª Idade e faz parte ativamente do Conselho Tutelar da cidade.
Na semana santa, lá estava ele, durante as encenações da paixão de Cristo, vestido de soldado romano, com saiote vermelho e lança na mão.
Política é isso.
Aprendeu?