Pânico

Do décimo andar de um edifício, olho pela janela fechada de um apartamento onde estou sozinha. Do contraste entre a solidão da sala e a confusão das pessoas nas ruas vem uma sensação de distanciamento, de que nada do que vejo tem a ver comigo, de que estou numa instância paralela, muito longe daqueles bonequinhos de play mobil desgovernados, cujo mundo não tenho habilidade para habitar.

Olho fascinada a pressa de cada um e a incrível maneira de como, indo a direções diferentes, conseguem não se esbarrar, praticamente nem se encostar. Todos absolutamente decididos a ir a algum lugar que só eles sabem qual é.

Da minha janela, vejo-os quase iguais em tamanho, mas há uma diversidade imensa ditada pela cor das roupas, dos cabelos, dos tons da pele. Refletidos pelo sol, parecem bandeirinhas de uma festa junina sem música e sem dança.

Desencosto minha testa do vidro da janela e percebo, pela marca deixada, que meu rosto transpira, apesar do frio de inverno. Olho para a sala, os móveis, a xícara suja, os livros na estante, tudo tão familiar, tão meu, tão eu.

Pego a mochila, destranco a porta e saio. Vou para a frente do elevador e aperto o botão. E ao fazê-lo, vejo o tremor da mão e minha nuca se esquenta, como se alguém invisível a apertasse. Olho para o indicador dos andares e não sei se torço para que chegue logo e acabe com isso ou para que não chegue nunca. Mas o sinal de que chegou resolve por si a minha indecisão, e eu entro.

Lá dentro já está um homem de terno e gravata, que me olha sem me cumprimentar. Penso que meu boné, minha calça jeans e camiseta, meu casaco enorme e meus fones de ouvido fazem com que o homem, graças a Deus, me ignore. Alguns andares abaixo, porém, entra uma mulher e eu não me livro de um bom-dia ao qual dou uma resposta capenga. Não sei a reação da mulher, não olho para ela.

O elevador para e eu me precipito para fora. Olho à frente e a portaria do prédio parece muito longe, inalcançável. Vou andando devagar e ouço a voz de alguém, também longe, tão longe que não consigo entender as palavras ou reconhecer a voz. Viro o pescoço para ver quem fala e vejo o porteiro, que me olha meio espantado. Volto a olhar para frente e me custa fazer esse movimento, a cabeça pesa uma tonelada. Mas vou em frente e ultrapasso o portão.

Tento dar um passo para fora do portão, sem deixar de segurá-lo;
firmo as pernas, tentando um equilíbrio que não encontro, e arregalo os olhos. Os sons me chegam em bloco, não consigo discerni-los, e as imagens são distorcidas como num filme de terror. As pessoas têm corpos que se retorcem e seus rostos estão fora de foco, são fantasmas deslizando braços e pernas enormes diante de mim. Meu coração dispara, sinto que vou desfalecer e, apavorada, antes mesmo de dar um único passo na rua, entro novamente pelo portão e volto cambaleante até o elevador.

Enxugo com as mangas do casaco o suor que me atrapalha a visão e aperto o botão do elevador. Abro a mochila, tento achar as chaves, aperto o botão, deixo cair a mochila, aperto o botão, pego a mochila e aperto o botão. O elevador chega após uma eternidade e eu entro imediatamente, trombando em pessoas que dele estão saindo. Chego ao meu andar, abro a porta e no minuto seguinte sinto meu coração começar a se acalmar e meu corpo, a esfriar. Sentada numa poltrona, a mochila caída no chão, repito baixinho: não sou um play mobil, não sou um play mobil, não sou um play mobil

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